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19/12/2019 - ANÁLISE DA ROTULAGEM DE ALIMENTOS ELABORADOS A PARTIR DE ORGANISMOS GENETICAMENTE MODIFICADOS: A SITUAÇÃO DO BRASIL

ANÁLISE DA ROTULAGEM DE ALIMENTOS ELABORADOS A PARTIR DE ORGANISMOS GENETICAMENTE MODIFICADOS: A SITUAÇÃO DO BRASIL

Os modos de produção de alimentos vêm se alterando com o passar dos tempos. Nos últimos 20 anos iniciaram-se modificações como alterações no código genético de plantas, gerando os Organismos Geneticamente Modificados (OGM). Os OGM são definidos como organismos cujo material genético (DNA) tenha sido modificado por qualquer técnica de engenharia genética1, de uma forma que não ocorreria naturalmente. O Brasil é o segundo país que mais planta sementes geneticamente modificadas (GM) no mundo, ocupando uma área de 50,2 milhões de hectares, o que equivale a 27% da produção mundial de OGM. Do total de soja, milho e algodão cultivados no país, 97% da soja, 88,9% do milho e 84% do algodão são GM2 . Entre 1998 e 2018 foram aprovados para cultivo e liberados para consumo no Brasil os seguintes OGM: 16 variedades de soja; 46 de milho, 20 de algodão e uma levedura (Saccharomyces cerevisiae), além de uma variedade de feijão que ainda não está disponível para consumo3. O aumento na produção e do consumo de alimentos GM vem despertando preocupações em relação aos efeitos à saúde humana, já que não existem evidências científicas e um consenso sobre a segurança do consumo destes alimentos. Isso porque alimentos derivados de OGM também poderão conter resíduos dos agrotóxicos associados ao seu cultivo, causando riscos à saúde humana pelos efeitos já conhecidos destas substâncias. Tais culturas GM dão origem a vários produtos e subprodutos que são amplamente utilizados pela indústria de alimentos na composição de produtos alimentícios e estão cada vez mais presentes na alimentação da população brasileira. Diante disso, destaca-se a importância de analisar a presença de produtos e subprodutos derivados de OGM em rótulos de alimentos e sua conformidade com as regulamentações de rotulagem de OGM no Brasil. Este foi o objetivo da tese de doutorado defendida pela nutricionista Rayza Dal Molin Cortese, em julho de 2018, sob orientação da professora do departamento de Nutrição, Suzi Barletto Cavalli. A pesquisa foi realizada no Programa de Pós-Graduação em Nutrição (PPGN) e no Núcleo de Pesquisa de Nutrição em Produção de Refeições (NUPPRE) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), com parceria da professora Rossana Pacheco da Costa Proença e apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) por meio da concessão de bolsa de doutorado. O projeto foi financiado pela Chamada nº 05/2014 – Pesquisas em Vigilância Sanitária, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e ANVISA. Para a condução da pesquisa foram coletadas informações presentes nos rótulos de todos os alimentos embalados disponíveis para venda em um grande supermercado no Brasil. Foi identificada a presença do símbolo de transgênico, a presença da expressão que acompanha o símbolo, o nome da espécie doadora de genes e o(s) ingrediente(s) GM(s) do alimento. Dos 5048 alimentos analisados, 4,7% (n = 238) declaravam a presença de OGM no rótulo, sendo que apenas 2,8% continham o símbolo e o nome da espécie doadora de genes, ou seja, estavam em conformidade com a legislação brasileira de rotulagem. Nestes alimentos que declaravam a presença de OGM nos rótulos, foram identificados 20 ingredientes GM, sendo a maioria derivados do milho. Foram esses: amido, amido de milho, colorífico, creme de milho, farelo de milho, farinha de biju, farinha de milho, farinha de soja, fermento químico, fubá de milho, glicose, gordura vegetal, gordura vegetal de soja, lecitina de soja, maltodextrina, maltodextrina de milho, milho, óleo de milho, óleo de soja e sêmola de milho. A maioria dos alimentos que declaravam a presença de OGM pertencia ao grupo que inclui biscoitos, bolos, canjica, farinhas, farofa pronta, pães, pipoca e pós para sobremesas e bolos e ao grupo que inclui achocolatados, biscoitos doces recheados, balas, refrigerantes e salgadinhos. Mesmo no grupo que continha menos alimentos com ingredientes GM (grupo dos pratos preparados), 2.5% dos alimentos apresentavam pelo menos um desses ingredientes. A análise da presença destes produtos e subprodutos GM derivados de milho e soja em alimentos similares que não declaravam a presença de OGM no rótulo identificou que, do total de produtos, 50.1% continham pelo menos um dos 20 ingredientes GM identificados anteriormente. Ou seja, o alimento era similar àquele que declarava a presença de transgênico, possuía pelo menos um dos ingredientes que identificava o alimento como transgênico, mas não estava rotulado com o símbolo. Os ingredientes GM mais frequentes nas listas de ingredientes dos alimentos que declaravam a presença de OGM foram o fermento químico, o amido de milho, a maltodextrina e a gordura vegetal. Com exceção da maltodextrina, tais ingredientes também estavam entre os mais frequentes nas listas de ingredientes dos alimentos similares que não declaravam a presença de OGM, juntamente com a lecitina de soja, que teve a maior frequência de citação. Além disso, no presente estudo, foi encontrado um alimento que não declarava a presença de transgênico no rótulo, mas continha 13 ingredientes diferentes passíveis de serem GM. Este caso torna evidente a não conformidade dos rótulos em relação à declaração da presença de OGM, visto que muitos alimentos contêm mais que um ingrediente GM e, provavelmente, em quantidades superiores a 1% do produto. Assim, é possível que o fabricante não tenha considerado o somatório das quantidades de ingredientes possivelmente GM e, portanto, omitiu essa informação no rótulo. Ressalta-se que alguns dos ingredientes GM declarados nos rótulos dos alimentos analisados no presente estudo são alimentos base de preparações usualmente preparadas e consumidas em casa. Por exemplo, em preparações como bolos feitos em casa, podem estar presentes ingredientes como farinha de milho, óleo de milho ou soja, amido de milho e fermento químico. Assim, mesmo preparações caseiras, utilizando alimentos industrializados como ingredientes, podem expor as pessoas ao consumo de OGM. Os resultados da presente tese mostram que o consumo de alimentos embalados sem declaração da presença de OGM vai contra ao direito de informação do consumidor e o Princípio da Precaução no que se refere ao consumo de alimentos transgênicos. O que reforça tanto a necessidade de fiscalização quanto a obrigatoriedade da rotulagem, como também possíveis modificações nos parâmetros legais vigentes. Isso porque a legislação brasileira obriga a rotulagem apenas daqueles alimentos que contiverem mais de 1% de OGM, ou seja, os alimentos que contiverem menos de 1% ficam isentos da obrigatoriedade da rotulagem, o que não significa que não contenham OGM. Nesse sentido, a lista de ingredientes ainda é o único meio que permite estimar a presença de OGM, mas não a quantidade, nos alimentos. Contudo, essa não é uma tarefa fácil para o consumidor, uma vez que, conforme resultados deste estudo, há ingredientes com nomenclaturas que não deixam clara a sua origem, podendo dificultar a identificação de OGM. Em revisão de literatura com busca sistemática conduzida nesse estudo foram identificados diversos produtos e subprodutos com nomenclaturas que dificilmente seriam reconhecidas como oriundas de ingredientes GM (provenientes de soja e milho) a partir da leitura da lista de ingredientes dos rótulos de alimentos. Como exemplo, cita-se o ácido cítrico, um aditivo alimentar muito utilizado em alimentos embalados, que nem sempre é derivado de frutas, podendo ser obtido a partir da fermentação aeróbica do açúcar de milho, aspecto que a nomenclatura não deixa claro. Desta forma, a partir da literatura científica foram identificados 28 produtos e subprodutos derivados de soja, milho e algodão e uma levedura transgênica que podem estar presentes como ingredientes nos alimentos. Segundo a análise de listas de ingredientes dos 5048 alimentos analisados, tais produtos podem aparecer nos rótulos com 101 nomenclaturas distintas. Como exemplo, cita-se o óleo de soja, que foi identificado com 12 nomenclaturas diferentes nas listas de ingredientes, dentre as quais óleo vegetal. O xarope de glicose, derivado do milho, apareceu com 13 nomenclaturas diferentes nos alimentos avaliados, muitos deles sem o termo milho presente. Essas questões podem dificultar a identificação por consumidores que tentam evitar o consumo desses alimentos por diferentes razões. Ademais, a ausência de especificação de origem de subprodutos pode dificultar a identificação de OGM nas listas de ingredientes em alimentos embalados. Das 101 nomenclaturas avaliadas, 30 não especificavam sua origem, mas foram considerados passíveis de serem subprodutos de soja, milho e algodão, de acordo com a literatura científica. Entre esses subprodutos estavam: gordura vegetal; amido; gomas guar e xantana; ácido cítrico; dextrose; xarope de glicose; glucose; maltose; maltodextrina; sorbitol; manitol; xilitol; cereais não maltados. Por fim, foi realizada a análise da presença de ingredientes derivados de culturas GM nos alimentos mais consumidos pela população brasileira (a partir de dados de consumo per capita de alimentos oriundos da Pesquisa de Orçamentos Familiares - POF 2008-2009). Os resultados demonstraram que mais da metade (64,5%) dos alimentos mais consumidos pela população brasileira podem conter ingredientes derivados de culturas GM. Além disso, a maioria dos alimentos possuía três ou mais ingredientes derivados de milho e soja, possivelmente GM. Para exemplificar, em uma refeição principal, como o almoço, que no hábito brasileiro pode conter arroz, feijão, farofa pronta, macarrão instantâneo, steak de frango e batata frita, todos estes alimentos são preparações que podem conter ingredientes GM, seja pelos ingredientes que contêm ou pelos ingredientes adicionados durante o seu preparo, como o óleo de soja, milho ou algodão utilizado para o preparo do arroz, do feijão e da batata frita. Além das preparações, ingredientes adicionados como temperos à refeição pronta, como molhos industrializados, também podem conter ingredientes GM. Assim, uma refeição contendo alimentos habitualmente consumidos pelos brasileiros pode facilmente conter vários ingredientes GM e, em apenas um dia, pode haver ingredientes GM em todas as refeições. Desse modo, considerando os dados analisados, a população brasileira consome diariamente uma grande variedade de alimentos embalados que podem conter ingredientes GM, no entanto, muito destes alimentos não têm esta composição claramente identificada no rótulo. Isso pode ser devido à legislação brasileira, que obriga a rotulagem apenas daqueles alimentos que contiverem mais de 1% de OGM, ou seja, os alimentos com percentual menor que 1% ficam isentos da obrigatoriedade da rotulagem, o que não significa que não contenham OGM. Além disso, não se encontrou informações sobre fiscalização em relação ao cumprimento deste percentual de ingredientes possivelmente GM nos alimentos, de modo que, salvo melhor juízo, pode-se supor que a indústria alimentícia pode omitir essa informação, não rotulando o produto, mesmo que contenha mais de 1% de OGM. Em ambos os casos, não está sendo garantido aos consumidores o direito à informação clara e precisa sobre os produtos que consomem, conforme preconiza o Código de Defesa do Consumidor. Cabe ressaltar também a inexistência de estudos que estabeleçam um percentual de segurança de consumo destes alimentos. Logo, mesmo se um produto contiver menos de 1% de OGM na sua composição e não for rotulado, não significa que não ofereça riscos à saúde, uma vez que não se tem estabelecida uma quantidade segura de consumo. Nesse sentido, observou-se que o consumo de alimentos embalados industrializados pode aumentar as chances de consumo de alimentos GM pela população brasileira, uma vez que, segundo a análise deste estudo, a maioria dos alimentos mais consumidos pela população brasileira possuía três ou mais ingredientes derivados de milho e soja, possivelmente GM. Desse modo, a divulgação de informações para a população sobre a presença de OGM nos alimentos precisa ser mais abrangente. A ausência dessa abordagem na versão do Guia Alimentar para a População Brasileira de 2014 demonstra a necessidade da inserção de recomendações que levem em conta o Princípio da Precaução, o direito à informação e que possam contribuir para a garantia da segurança alimentar e nutricional em todas as suas dimensões. Nesse sentido, uma nova proposta do Guia deve incluir a recomendação de uma alimentação livre de OGM em nível individual e coletivo, abrangendo também a alimentação escolar, restaurantes institucionais, etc. Assim, a presente tese contribuiu para mostrar a elevada exposição da população brasileira a ingredientes possivelmente GM por meio do consumo de alimentos embalados, disponíveis em um supermercado. Foi possível demonstrar a dificuldade em identificar a presença de ingredientes possivelmente GM em alimentos, já que foram observadas 101 nomenclaturas distintas nos alimentos embalados analisados no censo, o que reforça a importância do fortalecimento da rotulagem desses alimentos. No entanto, a quase totalidade dos alimentos não identificava a presença de OGM nos rótulos, visto que um pequeno percentual estava em conformidade com a legislação de rotulagem vigente. A partir dos resultados obtidos espera-se contribuir com medidas regulatórias que sejam mais restritivas à aprovação e produção de culturas GM no país, principalmente aquela que não foram submetidas a análises profundas dos seus impactos ambientais, sociais e na saúde. As agências governamentais competentes devem fiscalizar os alimentos embalados para que disponibilizem a informação obrigatória da presença de ingredientes GM em seus rótulos. 1 BRASIL, 2005; 2 JAMES, 2018; 3 CTNBIO, 2018. Mais informações: Título da tese: “Análise da rotulagem de alimentos elaborados a partir de organismos geneticamente modificados: a situação do Brasil”. Pesquisadora responsável: Rayza Dal Molin Cortese (rayzacortese@gmail.com) Orientação: Prof.a Suzi Barletto Cavalli (sbcavalli@gmail.com) Programa de Pós-graduação em Nutrição (PPGN/UFSC) - http://www.ppgn.ufsc.br/ Núcleo de Pesquisa de Nutrição em Produção de Refeições (NUPPRE) - http://nuppre.ufsc.br/

Veículo: Internet

Fonte: http://www.movimentocienciacidada.org/documento/detail/54